Na coluna anterior, sugeri um roteiro de festivais que rolam neste verão na Europa (leia aqui).
Espero que tenham curtido e até podido se planejar! Essa semana, queria falar sobre outro tipo de viagem: a viagem impossível. Há duas semanas, cheguei de 21 dias de retiro e de auto-conhecimento pelo lugar que mais me chocou e abriu minha cabeça sobre a diversidade do mundo: a surpreendente Índia.
A ida ao país de Gandhi foi inesquecível por confirmar radicalmente a existência de vários mundos dentro deste globo. Se é fato que não escolhemos onde nascemos; e que pouca gente tem ânimo ou oportunidade (coragem?) de se permitir mudar de cenário durante a jornada da vida, tive a certeza que mais verdade ainda é que somos magicamente adaptáveis a uma ou outra realidade. De lugar chocante — por completamente diferente — a corriqueiro, foram poucos dias para me sentir local no país.
Os 20 dias pela território do tamanho estado do Pará onde vivem 6 Brasis (1,3 bilhão de pessoas!) também foram estratégicos para minha classificação de pessoas. Explico: Depois que voltei a Madri, onde habito (não consigo dizer mais moro) a maioria do ano, ao comentar sobre meu mais recente destino, tenho escutado dois tipos de reações: “foi fazer o que lá?”; ou “que maravilha, adoraria (ou adorei) ir à Índia”.
A senha-Índia servirá, a partir de agora, para enquadrar os humanos: insossos x sedentos; fechados x curiosos; provincianos x cosmopolitas (para mim, estar aberto ao novo é o verdadeiro sentido de cosmopolita). Sempre que me deparo com uma reação de nojinho sobre a viagem, penso em presentear o “careteiro” com o genial “El Viaje Imposible”. É um livro fininho, mas cheio de boas história pra contar. Lá, o autor traduz 100% meu sentimento: apesar de todas as possibilidades de mobilidade — pela qual hoje tratamos o mundo como aldeia global —; e da facilidade cada vez maior em se dar conta das milhares de possibilidades do planeta —10 minutos num portal de notícias são suficientes —, optamos cada vez menos por viagens românticas: aquelas estranhas ao nosso contexto econômico, social, cultural, e tudo mais que nos é corriqueiro, previsível, confortável.
Pouca gente sai de casa livre para arriscar, ou se permite sorrir ou extasiar-se diante das mais íntimas curiosidades do local visitado. Na verdade, até a escolha sobre aonde ir parece ser cada menos individual e abstrata; e cada vez mais dependente se o destino está ou não na moda. Destino da moda, aliás, é aquele antes “desbravado” por celebridades que se casam ou posam para selfies lá patrocinadas por empresas; ou aqueles bombardeadas na telenovela em um anúncio publicitário subliminar. As pessoas, oh, céus!, viajam para confirmar a existência daquilo que esperam encontrar, um tédio só.
Os hotéis onde se hospedam, de uma rede destas que dominam o mundo, poderiam ser em qualquer lugar do planeta de tão pastel. Ao ligar a TV do quarto, oposta à gravura de Romero Britto na parede, os mesmos programas sobre os quais reclamava da qualidade — e assistia — ao voltar do labor, e de que tanto queria desconectar. Lá em baixo, a piscina esterilizada, lotada, diante da areia e do mar onde poucos arriscam “se sujar”. Despreocupados, os aventureiros visitantes confirmam o encontro com o hábil guia que os levará aos locais que justificarão o “êxito” da viagem aos amigos.
A viagem impossível, diz Marc Auge, não é a da Indústria do Turismo, que quadricula o mundo e o vende como produto, mas aquela que nunca faremos mais: rumo ao desconhecido e ao que há de mais espantoso — e engrandecedor — para nossos olhos e nossa alma: definirmos quem somos (ou queremos, ou podemos ser) através do reflexo do outros. Talvez, para voltar a viajar (com licença da pretensão do ensinamento), basta começar pertinho de onde vivemos, mas reaprendendo a ver. Atreva-se. ps.: se estiver planejando uma viagem à Índia e quiser dicas, não hesite em enviar um alô.
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