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Livro detalha história de padre gay frente ao preconceito da Igreja Católica

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A forma como se construiu a decisão de Krzysztof Charamsa em assumir sua homossexualidade é um dos pontos altos de A Primeira Pedra: Eu, Padre Gay, e a Minha Revolta Contra a Hipocrisia da Igreja Católica, livro que chega ao Brasil pela Editora Seoman. Charamsa não era um religioso comum: em 2015, o polonês de 43 anos ocupava os cargos de oficial da Congregação para a Doutrina da Fé, secretário da Comissão Teológica Internacional do Vaticano e era professor de Teologia da Universidade Pontifícia Gregoriana e da Universidade Pontifícia Regina Apostolorum.

Nesta condição, em 3 outubro de 2015, em uma coletiva de imprensa no Vaticano, um dia antes da segunda rodada do Sínodo sobre a Família (assembléia periódica que reúne bispos do mundo todo), Charamsa declarou-se homossexual, apresentou seu namorado e escreveu uma carta aberta ao Papa Francisco e um manifesto de libertação gay à Igreja, nos quais escancarou uma série de contradições da instituição, jamais verbalizadas por uma homem forte do Vaticano em mais de dois mil anos de história. Os documentos – publicados na íntegra em seu livro – jamais foram respondidos. Muito pelo contrário: caíram como uma bomba na Igreja Católica, que endureceu ainda mais o tratamento aos gays, e Krzysztof Charamsa foi destituído de todos os seus cargos.

Isso tudo não foi uma surpresa para Charamsa, mas um sinal de grande hipocrisia, pois na Igreja, homossexuais como ele são reduzidos à condição de pervertidos, enquanto o clero católico, fortemente homofóbico, é ele próprio composto em grande medida por homossexuais. Ora reprimidos, ora condenados à clandestinidade devido à norma antinatural do celibato, imposta aos membros da Igreja, esses homens acabam arando um terreno fértil onde germina a erva daninha e vergonhosa da pedofilia e outros tipos de abusos, gerando escândalos, tal como foi exposto no filme Spotlight – Segredos Revelados, ganhador do Oscar de melhor filme de 2016.

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Mas o que levou um homem de um dos mais altos escalões do Vaticano a se posicionar de forma tão veemente e se tornar um dos ativistas mais influentes do movimento LGBT? Esses fatos são caprichosamente detalhados nas 292 páginas da obra, organizada em capítulos temáticos e que esmiuçam de ponta a ponta a biografia do ex-padre.

Neste contexto, o livro traz revelações bombásticas acerca do dia-dia do Vaticano, interpretações inquietantes sobre as sagradas escrituras e as tentativas de Charamsa para que a Igreja adotasse postura mais amorosa e tolerante com os homossexuais, bem como questionamentos íntimos profundos, frutos de anos de estudo somados à angustiante negação de sua própria natureza. E o ex-padre vai mais longe, declarando em um ponto emocionante do livro que “a Igreja Católica não é apenas contra homossexuais, mas sim contra a sexualidade, inclusive dos héteros. Todos eram obrigados à submissão cega, à hipocrisia, enquanto eu, na coerência da minha fé, não podia mais fazer concessões”, pontua, sinalizando sua crescente angústia.

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Filho de um pai machista e de uma mãe, segundo suas próprias palavras, “de fé inabalável, mesmo diante de comportamentos aberrantes da Igreja”, Charamsa diz que sempre soube ser gay e que queria ser padre. Mesmo ciente de sua orientação desde cedo, em dado momento, Charamsa cogitou a máxima da igreja que diz que filho de pai ausente tende a ser homossexual. “Depois, percebi que não é o pai ou a mãe que transmite ao filho a condição homossexual ou heterossexual: eles podem, isto sim, transmitir-lhe a homofobia, a culpa, o medo e o ódio aos gays”, afirma.

Mais adiante, Charamsa relata os dolorosos anos de seminário, e que no início, para tentar esconder de si e dos outros sua homossexualidade, tornou-se um dos alunos mais dedicados e zelosos. No entanto, em dado momento, o desconforto tornou-se insuportável. “Procurava sempre me convencer de que, meus sentimentos, na verdade, não existiam. Porém, notei que a sexualidade reprimida e até negada começaram a influenciar os meus estudos”.

Mas a sua dedicação não foi em vão. Com os anos, vieram o conhecimento e a ascensão profissional. Todavia, as contradições se tornaram cada vez mais evidentes. “Sempre me mostrei muito rigoroso ao distinguir questões profissionais e públicas da vida privada. Queria alcançar o sucesso no trabalho graças exclusivamente à competência e ao empenho constante. Mas o sistema da Igreja requeria coisa muito diferente. Ali devia conhecer-se tudo sobre os outros, principalmente quem era gay e quem não era. No fundo, a Congregação para a Doutrina da Fé (antigo Santo Ofício), o mais importante órgão do Vaticano é uma espécie de agência governamental de serviço secreto. Passei mais de doze anos na sucursal católica da KGB”, ironiza. Já em seus momentos finais como oficial da Congregação para a Doutrina da Fé, às vésperas de sua histórica declaração, Charamsa recebeu o seguinte conselho de um amigo, ocupante também de posto alto no Vaticano, e que sabia não apenas de sua homossexualidade, como também de sua vida conjugal. “Krzysztof, não leve tudo tão a sério. Faça o que acha certo, mesmo contrariando as normas esclesiásticas. Por que insiste em denunciar as incoerências da igreja (que não é interamente má)? Viva uma vida feliz de belo casal incógnito, a igreja não está pronta para mudanças. Além do mais, sua carreira vai de vento em popa, é respeitado. Quer jogar fora tudo isso?”.

A história prova que não se pode dizer que o amigo de Krzysztof Charamsa estava cem por cento errado… Por isso, A Primeira Pedra: Eu, Padre Gay, e a Minha Revolta Contra a Hipocrisia da Igreja Católica vai além da revelação da homossexualidade do autor ou dos bastidores da Igreja Católica. Trata-se, sobretudo, de uma história sobre escolhas, sobre valores, e como ser fiel àquilo que realmente acreditamos em nossas vidas.

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Escrito por redacao