Atletas dão show em campo e reforçam o crescimento da cultura do futebol gay
Por Flávio Amaral*
Nos gramados do complexo esportivo Soccer City, em Porto Alegre, havia muito em jogo para 250 atletas. Mais do que lutar por troféu e medalhas, 12 equipes de futebol formadas por gays de seis Estados e do Distrito Federal se reuniram nos dias 14 e 15 de abril na capital gaúcha, para celebrar a diversidade, criar e fortalecer laços de amizade com pessoas de todo o País e marcar um golaço contra o preconceito na segunda edição da Champions LiGay, conhecida como o “Brasileirão gay”.
A competição surgiu a partir da LiGay Nacional de Futebol (LGNF), criada em agosto de 2017 para unificar as equipes brasileiras de futebol formadas por homossexuais e promover competições entre elas, seguindo os pilares que sustentam a chamada “cultura do futebol gay”: fair play, honestidade, leveza, diversão, sociabilidade e confraternização. Essa postura impressionou árbitros e o presidente da Federação Gaúcha de Soccer Society, organização parceira responsável pela tabela de jogos e pela arbitragem do torneio.
“Os árbitros elogiaram a educação e o respeito dentro de quadra por parte dos jogadores. O presidente da federação ficou impressionado com o comportamento dos atletas de maneira positiva, sem brigas e reclamações”, comemorou Renan Evaldt, presidente do anfitrião Magia e organizador do evento.
Unir equipes gays de futebol de todo o País faz parte de uma militância de visibilidade, segundo o presidente da LiGay, André Machado. Essa prática reforça o objetivo de, pouco a pouco, quebrar preconceitos mostrando que futebol é para todos, independentemente da orientação sexual. Conquistada pelo Bulls (SP) após vencer o BeesCats (RJ), em decisão por cobranças de shoot out (espécie de cobrança de pênaltis em que o jogador conduz a bola até próximo do gol), esta edição do torneio comprovou que atletas LGBT fazem bonito com a bola no pé.
“O nível técnico do torneio foi altíssimo! Os times se prepararam muito para participar. Teve jogador que perdeu peso para jogar, times com treinadores, partidas muito disputadas e que quebraram todos os prognósticos de resultados. Vemos uma clara evolução do futebol inclusivo”, diz Machado.
Para nós, atletas, a palavra “experiência” resume o fim de semana. A sensação de viajar para competir, seguir em delegação para o local do evento com escolta da Guarda Municipal de Porto Alegre, concentrar no hotel com colegas de equipe, bandeira das equipes no aeroporto recepcionando os atletas que vinham de todo o país… tudo convergia para a vivência da rotina de um jogador profissional.
Isso sem contar a diversão e a possibilidade de conhecer tanta gente interessante. A interação calorosa e o clima intimista entre as equipes reinaram nos três dias do evento. Esse clima, exemplificado pelas confraternizações na piscina do hotel, fez com que adversários de quadra permanecessem juntos durante boa parte do fim de semana. Rolou até namoro entre atletas de times diferentes!
Próximos passos
A LGNF planeja realizar duas edições da Champions LiGay por ano. Nós, do BessCats, fomos anfitriões da primeira, em novembro do ano passado, no Rio de Janeiro. Cinco meses depois, foi a vez do Magia, do presidente Carlos Renan Evaldt, ser responsável pelo evento.
“A experiência foi surreal, um aprendizado imenso. Desbravar a área de eventos esportivos foi um desafio, mas o saldo é extremamente positivo. Tivemos os problemas normais de um evento deste porte, com recursos financeiros limitados, mas todas as equipes elogiaram a forma como foram recebidos e a atenção dispensada pelos voluntários, seguranças e parceiros”, declarou Evaldt, satisfeito com o balanço do fim de semana.
A segunda Champions de 2018 está prevista para novembro, em São Paulo, e já estamos ansiosos! Na cerimônia de encerramento, a bandeira da LiGay Nacional de Futebol foi entregue aos líderes das equipes paulistas Unicorns e Futeboys, que dividirão a organização, promovendo mais um capítulo da grande celebração da diversidade sexual no futebol.
“Futeboys e Unicorns assumiram uma grande responsabilidade ao trazerem a próxima Champions para São Paulo. Não só pela dimensão do evento, que dobra de tamanho em relação ao primeiro, realizado no Rio, mas, principalmente, pela importância da causa que fundamenta essa realização: a promoção da diversidade, da inclusão e do respeito às diferenças no esporte”, afirma Erik Arnesen, diretor do Futeboys.
A decisão por shoot out
Durante a preparação das equipes, grande parte dos jogadores precisou conhecer melhor as regras do futebol society. A adaptação à modalidade incluiu passar a cobrar escanteios com as mãos e cobrar o shoot out.
Diferentemente do que ocorre no tradicional pênalti, o cobrador pode dar quantos toques quiser na bola, mas precisa finalizar dentro do tempo de cinco segundos, cronometrado pela arbitragem. Caso esse intervalo seja ultrapassado antes do chute, a cobrança é encerrada. O goleiro, posicionado na linha de fundo abaixo da meta, pode sair para tentar impedir a finalização.
Na LiGay, caso algum jogo a partir das quartas de final termine em empate, a classificação é decidida em uma série de três cobranças de shoot out para cada equipe, sendo vencedora aquela que fizer mais gols.
Curiosidades
- Como nem todos os atletas tinham condições de arcar com as despesas da viagem, alguns buscaram soluções alternativas, como promover rifas para custear passagens e hospedagem, ou mesmo se hospedar na casa de amigos dos times de Porto Alegre.
- A proposta da inclusão por meio do esporte extrapola os gramados: equipes participantes da LiGay também têm grupos de vôlei, corridas de rua e crossfit, por exemplo.
- Uma cerveja pilsen cor de rosa foi preparada especialmente para a competição e ainda representou mais de 1/3 do consumo de cerveja do evento.
LiGay em números
- Cerca de R$ 500 mil foram injetados na economia local por ocasião do evento. Deste valor, R$ 100 mil só na organização e R$ 60 mil na venda de ingressos para festas.
- 300 pessoas passaram pela Soccer City nos dois dias de competição.
- Mais de 200 quartos da rede hoteleira foram ocupados durante o período do evento.
- 231 medalhas foram distribuídas: 216 aos atletas e 15 aos destaques do campeonato.
- 250 hambúrgueres cor de rosa foram vendidos, com gasto médio de R$ 70 por cliente – quase o dobro dos R$ 40 de tíquete médio do mesmo food truck em outros eventos, o que comprova o poder de consumo do público LGBT, conhecido como Pink Money.
- 240 litros de cerveja foram consumidos, 90 desses apenas da pilsen cor de rosa.
*Flavio Amaral é jornalista esportivo e atacante do BeesCats