Até onde você iria para ser quem você é? Você morreria por amor? Por que é tão difícil a busca da própria identidade em uma sociedade que nos priva da liberdade de ser e, claro, de amar livremente? Eis algumas das questões latentes que chegaram às mãos dos diretores Lázaro Ramos e Kiko Mascarenhas com O Jornal – The Rolling Stone, montagem que estreou, em 2015, em Londres, e rapidamente ganhou aplausos do público e da crítica especializada. Agora, o espetáculo aterrissa no Teatro Poeira, no Rio de Janeiro, a partir de 3 de novembro de 2017.
A urgência do tema veio ao encontro da inquietude da dupla Lázaro Ramos e Kiko Mascarenhas – amigos e parceiros de cena na série Mister Brau, da Rede Globo – que, comungando da paixão pela reflexão não se esquivaram de um projeto conjunto. O pontapé foi dado por meio do tradutor Diego Teza que apresentou a Kiko a tradução do script do dramaturgo britânico Chris Urch. Ao perceber o conteúdo latente e seus conflitos que colocam à prova o amor, a amizade e a fé – e ainda debate valores sociais, étnicos, religiosos e de gênero – Kiko comentou com Lázaro sobre a possibilidade de produzirem juntos a empreitada. Lázaro aceitou sem titubear. “Esta peça é uma missão e minha resposta para todos aqueles que são oprimidos e, em oposição a todos aqueles que em nome da ‘normalidade’ oprimem o amor”, resume Kiko. “Encontrar um roteiro que fale de uma realidade de Uganda mas ao mesmo tempo nos remete a tanto do que vivemos no Brasil é um privilégio. Acima de tudo O Jornal é uma peça que fala sobre amor”, conclui Lázaro.
Diante deste “grito de liberdade”, com recursos próprios, a dupla começou a buscar uma equipe e elenco comprometido com os mesmos valores que lhe impeliam. Para vencer a dificuldade de escalar atores negros que se encaixariam no perfil, Lázaro idealizou uma oficina que contou com apoio irrestrito da Rede Globo – que disponibilizou infraestrutura e mobilizou diversos profissionais para um processo de escolha de elenco criativo e único. O resultado foram cinco mil inscritos até se afunilar para 70 atores de sete estados diferentes do País. Na sequência, 15 dias intensos de aulas de dança e canto em jogos de improviso ministrados pela dupla de diretores com a ajuda essencial do coreógrafo Zebra e do preparador vocal Wladimir Pinheiro. No fim, cinco destes candidatos promissores integraram o elenco de seis atores que estreia O Jornal: André Luiz Miranda, Danilo Ferreira, Heloísa Jorge, Indira Nascimento, Marcella Gobatti e Marcos Guian.
O Jornal – um enredo sobre identidade, coragem e amor
Você morreria para ser quem é? Inspirado em fatos reais, este é o pano de fundo de O Jornal: após a morte do pai, três irmãos – Joe, Dembe e Wummie – precisam reconstruir suas vidas. Joe se prepara para ser pastor de sua igreja enquanto Dembe e Wummie estudam para progredir diante da desigualdade. Mas o destino seria fatal: Dembe conhece Sam, um garoto branco irlandês radicado na Uganda e acabam se apaixonando. Condenados pela comunidade cristã evangélica e pela lei, eles terão de optar em viverem castrados ou com a possibilidade de acabar morrendo por amor.
O Jornal é, portanto, uma alusão ao periódico ugandense The Rolling Stone que, em 2010, publicou uma lista com 100 nomes homossexuais e incitou seus leitores a enforcar os mencionados. O fato seria repetido mais tarde em outra publicação, de 2014, o Red Pepper, que lançou nova matéria com o200 homossexuais do país africano – isto somente um dia após a revogação da lei anti-gay que permitia que cidadãos denunciassem gays sob pena de também serem punidos pela “omissão”. Vale dizer que embora a dita lei tenha caído, ainda hoje a homossexualidade continua a ser crime punível com prisão em Uganda.
Afinal, qual a diferença entre Uganda e Brasil que, apesar de não condenar judicialmente homossexuais, ainda é o País que mais os mata no mundo? O separa a Uganda de tantas outras nações que sentenciam seus filhos a viverem silenciados e diferenciam pessoas pela cor de sua pele? Mais que um conflito de gênero, religião e raça, O Jornal retrata a busca pela identidade, clama o amor e a igualdade. Nada mais contemporâneo.