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Diário de Bordo: Ex-BBB Angélica Morango troca o Brasil por fazenda orgânica na Europa

Eu como wwoofer em Ourique 1

Por Ana Angélica Martins

Sabe quando bate aquela vontade de pegar os dois reais do bolso e sumir por aí? Basicamente foi isso que eu fiz ano passado. Antes de cruzar o Atlântico rumo ao “velho mundo”, fazendo o caminho inverso que meu avô português fez há mais de cinco décadas, abri os braços para as novidades e os olhos para as possibilidades. A ideia era gastar pouco e viver experiências mais próximas da realidade dos habitantes locais.

Pesquisando muito, descobri uma plataforma que conecta pequenos produtores de alimentos orgânicos a voluntários interessados em adquirir conhecimento sobre o assunto. Eu, vegetariana e mineira, que passei boa parte da vida morando no interior, mas não em fazendas, adorei a ideia de poder me aprofundar no assunto.

A sigla da organização é simples, WWOOF, que significa World Wide Organic Farms (algo como Fazendas Orgânicas Pelo Mundo, em tradução livre). Quem se voluntaria é chamado de wwoofer. Essa ideia surgiu há quase 50 anos, na Inglaterra, quando uma secretária que trabalhava em Londres, Sue Coppard, decidiu passar férias em fazendas orgânicas. De lá pra cá, esse movimento de conexão com a natureza e troca de informações sobre um estilo de vida mais sustentável ganhou o mundo e se espalhou por centenas de países da Europa, África, Américas, Ásia e Oceania. Hoje é possível ser wwoofer nas ilhas Fiji ou na Bélgica; nos Estados Unidos e até no Brasil. Como em qualquer outra viagem, é importante conhecer as exigências de cada destino, como a necessidade ou não de vistos e vacinas.

Vista da janela do meu quarto no hostel em Lisboa um convento
Vista da janela do meu quarto no hostel em Lisboa um convento

Cheguei em Lisboa em fevereiro, queria passar alguns dias na cidade antes do meu destino, que era Ourique, a 200 km. Sem amigos ou conhecidos na capital do país, decidi ficar num hostel numa região boêmia, próximo à estação de metrô Baixa-Chiado. Andei pouquíssimo de metrô e muito a pé.

Paguei 11 euros por diária no Hub New Lisbon Hostel, algo em torno de R$ 40. Além da boa localização e do atendimento cuidadoso, eu tinha acesso a uma piscina de bolinhas (!), uma boa biblioteca e um café da manhã delicioso com opções de sucos, chás, leites, frutas, pães, bolos, manteiga e até aquele famoso creme de avelã – tudo à vontade. Depois dessa dose de felicidade matinal em forma de refeição, saía flanando sem destino, encantada pela estreiteza das ruas de pedra, dos prédios antigos, das roupas coloridas penduradas nos parapeitos pra secar.

Fotografei igrejas, pessoas, costumes. Comi pasteis de nata (mais conhecidos como “de Belém”), sanduíches, sopas, batatinhas e chocolates. Fiquei impressionada com o preço da comida, porque é muito mais baixo do que o que pagamos no Brasil, e a qualidade, melhor. Há muito menos sal e açúcar nos produtos.

No dia combinado com os proprietários da fazenda para onde eu ia em Ourique, lá chamada de “quinta”, parti. Ao chegar de ônibus na estação da cidadezinha, fui recebida por Angelika, uma simpática senhora de aproximadamente 60 anos que vive na quinta com seu marido, Dieter. Ambos alemães, eles se mudaram para Portugal com os três filhos há mais de 30 anos, por medo da contaminação que poderia atingi-los após a explosão da usina de Chernobyl, em 1986. O pior desastre nuclear da história, ocorrido na Ucrânia, disseminou partículas radioativas por todo o leste europeu.

Amistoso, o casal acostumado a receber wwoofers há pelo menos cinco anos, me acolheu como parte da família. No primeiro dia limpei o galinheiro, depois recolhi o cocô das ovelhas, plantei sementes, construí cercas e carpi muito, muito mesmo. Em fazendas orgânicas há bastante trabalho manual porque não são utilizados agrotóxicos ou outros produtos químicos. Tudo é feito da forma mais natural possível, prezando pela sustentabilidade.

Gentil, o casal dividia comigo e outros dois wwoofers que estavam lá seus chocolates e suas histórias. Aprendi algumas palavras em alemão e peguei com Angelika algumas de suas receitas tradicionais.

Após quase um mês em Ourique, que fica no sul de Portugal, parti para São Miguel, a maior das nove ilhas do arquipélago de Açores, no coração do oceano Atlântico. Ainda como wwoofer, fiquei numa “maison d’hôte”, uma hospedaria gerida por uma francesa adorável, Anne. A poucos metros de sua maison, ela cultiva um grande jardim de flores e frutas orgânicas, e era majoritariamente lá que eu a ajudava.

São Miguel Açores
São Miguel – Açores

Anne já estava em Portugal há 15 anos. Viajou de férias para os Açores uma vez, se apaixonou por São Miguel e decidiu trocar Paris pela pacata ilha, para onde também se mudaram duas de suas três suas filhas e seus netos.

Para Anne fiz pão de queijo, que ela não conhecia, e preparei alguns pratos que tinha aprendido com Angelika – um deles, um assado de abóbora e batata doce cortadas rusticamente e temperadas com sal, limão, alecrim e páprica. Anne adorava que eu cozinhasse e aprovou a receita de panqueca que eu fiz. Essa eu tinha aprendido com a minha avó paterna, Felicidade. Uma francesa elogiando minha panqueca! Não disfarcei meu contentamento. Perguntei qual seria a diferença entre a minha receita e a de um autêntico crepe francês, ela então acrescentou um pouco de água e explicou que bastava colocar menos massa, para manter a espessura mais fina.

Anne gostava de aprender palavras novas em português comigo e incentivava a minha curiosidade pelo francês e pela cultura açoriana. Num dia preparou um autêntico souflé pra mim; em outros, trouxe pães e bolos locais para que eu experimentasse.

Nos passeios por São Miguel, além da natureza exuberante e esmeradamente cuidada, observei obras arquitetônicas bem contemporâneas. E reparei nos contrastes: tem de “carro do peixe”, cujos vendedores cruzam a ilha de ponta a ponta oferecendo pescados no megafone, a hotéis e spas luxuosíssimos projetados para os turistas milionários. Não faltam opções para todos os gostos e bolsos.

Quase dois meses em Portugal trocando experiências com pessoas de outras partes do mundo, especialmente nesse caso, em que elas se dispuseram a compartilhar seus espaços, suas ideias e suas histórias, mudaram meu ponto de vista sobre vários aspectos da vida. Por mais que sejamos de culturas diferentes, há características muito mais fortes que nos conectam. Pra mim, tão interessante quanto desbravar terras desconhecidas, foi conhecer e me reconhecer nessas pessoas.

anacarolina

Escrito por anacarolina

Diretora e editora da Revista ViaG