Por Larissa Coldibeli
Drag queen, cantora, compositora, rapper, dublador e ator: o currículo de Gloria Groove, ou Daniel Garcia (nome de batismo), é extenso para seus 23 anos de idade e diversificado como a personalidade da artista. Alçada à fama em 2016, ano em que emplacou hits no YouTube como “Dona”, “Império” e “Catuaba”, lançou seu primeiro álbum em 2017, “O Proceder”, e colocou todo mundo para dançar no último Carnaval com “Bumbum de Ouro”.
Sua trajetória como artista começou cedo, ainda na infância. “Eu cantava desde os 4 anos e, aos 6, falei para minha mãe que queria ir para a TV. Ela me apoiou, me levou para testes de comerciais, e as coisas começaram a acontecer”, conta. Aos 7 anos, participou de um concurso para eleger os integrantes do grupo infantil Balão Mágico, do qual fez parte por pouco mais de um ano, com contrato com gravadora e turnê pelo Brasil.
Após o fim do grupo, integrou uma dupla gospel com uma amiga de infância, até se tornar um dos jovens talentos do programa Raul Gil. Emendou uma participação na novela “Bicho do Mato”, na Record, entre 2006 e 2007, e também fazia trabalhos de locução e dublagem, que seguem até hoje. Depois de uma temporada no Rio de Janeiro por conta da novela, voltou para a Vila Formosa, na zona leste de São Paulo, bairro onde nasceu, e se envolveu com teatro, mais especificamente com musicais. Foi nesta época que teve a primeira experiência como drag queen, no musical “Hair”, e passou a se familiarizar este universo. “Foi quando percebi minha pré-disposição para adentrar o universo feminino, apesar de sempre ter sido afeminado”, diz.
Após algumas peças de teatro, foi convidado, em 2015, para participar do programa Amor & Sexo, da TV Globo, como drag queen. Após as gravações, se dedicou aos seus singles e à carreira da Gloria Groove, para lançar suas composições junto com a estreia do programa, no ano seguinte. “São 15 anos na música, mas apenas três como Gloria Groove. A partir do momento em que me entendi como bicha e drag, eu escolhi me apresentar de outro jeito. Eu poderia estar no palco como menino, mas montado me sinto mais eu. Não é um personagem, é um nome artístico. E não sou transexual, sou um menino gay que se veste de mulher para entreter”, declara.
Em entrevista exclusiva para a ViaG, Gloria Groove conta mais da sua trajetória e suas pretensões profissionais.
Quais são suas influências musicais?
Sou influenciada principalmente pelo pop, R&B, hip hop do fim dos anos 1990 até 2013. Foi nesse período que acumulei as principais referências, como Beyoncé, Nicki Minaj, Lady Gaga, Usher. Era fissurada pela cultura norte-americana e comecei a falar inglês cedo, era autodidata. Aprendi ouvindo música e escutando as pessoas falarem. Também sou fã de Tim Maia, Elis Regina e músicos que eram próximos por causa do trabalho da minha mãe, que também canta [é backing vocal da banda Raça Negra], como Edu Camargo, Julio Meireles.
Além de compor e cantar, você toca algum instrumento?
Não toco e essa é uma frustração que quero superar em 2018. Mas me envolvo na produção e tenho ouvido apurado. Tenho certa malandragem, consigo entender de harmonização e consigo compor, colocar as ideias e as letras no papel.
E que instrumento gostaria de tocar?
Piano. Ia poder compor sozinha e cantar com um piano nos shows. Acho chique! E algum instrumento de percussão.
Como surgiu o nome Gloria Groove?
São as iniciais da minha mãe, Gina Generoso Garcia. Quando a Gloria Gaynor (do hit “I Will Survive”) esteve no Brasil, minha mãe trabalhou com ela e brincava que as duas eram GG, justamente pelas iniciais dos nomes. De tanto brincar, isso ficou na minha cabeça. Eu relacionava GG com ser mulher, cantora e maravilhosa. GG é tudo grande. Eu já sabia que seria GG. Queria que fosse uma palavra e um nome universal, que fosse escrito igual aqui, na Venezuela ou nos Estados Unidos. Gloria me remete à época em que eu tinha ligação com a igreja, tudo era ‘glória’. E Groove vem do meu envolvimento com a soul music.
Como foi seu rompimento com a igreja?
Foi natural. Eu e minha mãe frequentávamos quando eu era criança, mas, à medida que fui crescendo, conhecendo o mundo e me conhecendo, fui me afastando, e minha mãe não me cobrou. Tenho apreço por essa época e respeito pela igreja, mas sei das hipocrisias e mentiras lá dentro, por isso, preferi não estar mais lá. Mas agradeço a quem me trouxe bagagem espiritual e musical. Minha relação com Cristo é diferente hoje, não tem mais a ver com um cara, tem a ver com uma força que nos une.
Você fala bastante da sua mãe, mas como é a relação com seu pai?
Nunca tive relação direta com meu pai, apesar de nos conhecermos. Mas fui muito bem criado pela minha mãe e sou muito grato, senão não seria o que sou hoje. Meus pais nunca estiveram juntos de fato, a relação deles terminou na gravidez. Mas minha avó paterna sempre me acolheu, é uma mulher maravilhosa e é a minha referência de avó, já que minha avó materna faleceu quando eu tinha 3 anos.
Você tem um público específico? Qual?
Meu público são pessoas que buscavam por algo que lhes abrisse os olhos e libertasse, são pessoas que se transformaram a partir do meu trabalho, que precisavam dessa validação. Fico grata de ser espelho, fico feliz de mostrar para alguém que ela é possível.
A que você atribui seu sucesso?
À autenticidade. As pessoas são atraídas pelo quanto a Gloria é autêntica, é uma mistura de vários universos improváveis: o hip hop e o rap, que são universos machistas, com o glamour e o colorido das drags.
Qual plataforma você considera que foi o pontapé para sua ascensão?
O YouTube e o Instagram são os responsáveis pela repercussão. Eu não usava muito o Twitter, mas voltei no meio do ano passado e os fãs adoram a interação. Mas o YouTube foi o responsável também pela construção da drag. Eu não tive mãe drag, foi no YouTube que aprendi tudo sobre este universo, foi uma janela para a vida.
Você já fez parcerias com Pabllo Vittar, Aretuza Lovi, Linn da Quebrada. Com que outros artistas você gostaria de trabalhar?
No Brasil, com a Anitta, afinal, eu sou uma bicha (risos), com o Dream Team do Passinho. Gosto muito da Flora Matos, que é uma rapper de Brasília que transformou minha visão. Fui a alguns shows dela e o jeito dela de fazer as coisas me arrebatava, me fez sentir mais próxima do universo hip hop. E o Rico Dalasam, que eu conheci como fã e fiquei louca, claro, pois é um rapper gay. Hoje ele é meu amigo, ainda não conseguimos fazer nada juntos, mas faremos assim que possível. Devo muito a eles porque me mostraram que eu era possível. E, do exterior, o Drake, a Nicki Minaj e a Beyoncé.
Como vê a visibilidade que as drags têm hoje no mundo da música?
É o inevitável avanço da nossa consciência. Os gays sempre estiveram por trás do mundo artístico, fazendo a roupa, o cabelo, a maquiagem. Era questão de tempo a coroa vir para a nossa cabeça. Vejo como uma coisa importante por conta da representatividade, por mostrar a quem acompanha o nosso trabalho que o palco é um lugar possível para nós. Os gays estão sempre à frente, são eles que orquestram o que é pop.
Como é a relação com outras artistas drags? As pessoas tentam criar intrigas?
A Pabllo, a Lia [Clark], a Aretuza, todas são muito minhas amigas. Todo mundo quer criar intriga, mas isso não passa de machismo velado e internalizado, é aquela história de colocar as figuras femininas umas contra as outras. Mas isso não vai acontecer aqui porque somos unidas, a gente se levanta. Isso aqui não cola, meu bem.
Pensa em carreira internacional?
Nunca saí do País, mas, sim, penso em carreira internacional. É um sonho que está cada vez mais próximo. No mundo de hoje, de certa forma, os artistas já têm carreira internacional, uma vez que o trabalho pode ser visto por qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo. Só falta ir para outros países para impulsionar. Quando isso acontecer, ficarei muito feliz, pois é sinal de que provei meu valor.
Qual país gostaria de conhecer?
Os do Caribe, especialmente Cuba e Barbados. Mas também sonho em conhecer melhor meu País, ir para Fernando de Noronha, Cataratas do Iguaçu. E a América do Norte, claro. Nova York, Hollywood, que são o sonho de toda bicha que cresceu com cultura pop.
Qual foi a melhor viagem que você já fez?
No meu aniversário de 14 anos, minha mãe trabalhava num navio como cantora e me levou. Fizemos um cruzeiro de uma semana pela costa brasileira e foi maravilhoso, por ser meu aniversário e por estar junto com ela.
Qual é o seu sonho profissional? Aonde quer chegar?
Não acho que o que a gente está fazendo vai ser efêmero. Eu quero que o meu trabalho se torne lendário, quero deixar um legado na música. Quero me estabelecer cada vez mais e me destacar pela qualidade. Não quero nunca sentir que estou pronta. Nunca! Porque, depois disso, você não tem mais para onde ir. Quero aprender sempre mais.